Na Terra o Outono doura pouco. Não há boulevards europeias flanqueadas de árvores centenárias perdendo vigor, entregando cor aos passeios povoados de gente.
A Terra é ela própria um tapete de cores, uma rica manta de retalhos com raízes milenares a querer pouco saber de enfeites. O chão cobre-se de azeitonas que caem como berlindes gordos e escuros das oliveiras; enche-se de ribeiros improvisados nas valas ainda pouco profundas dos caminhos antes ressequidos pelo braseiro estival, solos de sulcos marcados, rasgos cruzando uma superfície seca e rugosa como o rosto das velhas.
Não adormece a Terra no Outono, prepara-se antes para viver, agora que há fartura e que a água vem benzer os de cá e o que os rodeia. Oferece-lhes farfalhudas couves, opulentas laranjas, bagulhentas romãs, boletas saltando à frente dos pés na beira dos caminhos.
A Terra guardou-se, noiva ansiosa mas discreta, para os primeiros ares de frio a varrer as casas brancas baixinhas, de soleiras lavadas pelas gotas da cacimba. De Verão era caseira esta Terra. Escondia-se virginal, dentro das grossas paredes caiadas sem janelas que não fossem postigos para enxotar o calor. Deixou a timidez nos meses quentes e veio fazer-se farta, colorida, mais viva que nunca no Outono que lhe devolveu a vida. Que a emprenha de frutos, água, sonhos a renovarem-se e uma esperança ténue mas firme de que com o virar do ano, a vida muda, a jorna encurta, a Terra se renova.
Vê-se já bem perto, na fímbria delicada dos dias pequenos, o fumo que sai da chaminé de todas as casas alvas, cheiro de morcela ou chouriça a assar nas brasas, a chocolateira a fazer-lhe companhia dando sinal de vida no borbulhar do café negro cujo odor já se vai espalhando e confundindo com o da família.
Não conhece a moda das cidades esta Terra. Está bem assim. Chegam-lhe novas de céus distantes, dizem que há mar no Norte e aviões que voam 24 horas e não vêem o mundo acabar. A Terra aconchega-se.
Bateu bolo, amassou pão, casou as raparigas. Fechou-lhes delicadamente a porta e deixou-as entrar em casa de braço dado com aquele homem novo que é um par de braços que a amparem até ao fim do ciclo. Benzeu-lhes a porta. Sentou-se ao lume e deixou que o Outono viesse.
Passo a passo, uma brisa de cada vez, ao longe os últimos pássaros ecoam em despedidas. Preparou-se tudo e a Terra está como a deixaram e nunca mais a mesma. É este o consolo dos que nela vivem: o sentimento de que o mundo gira e encaixa cabendo todo nas ruas da Terra.
https://www.youtube.com/watch?v=HUEjTaF6kjk&feature=share
A Terra é ela própria um tapete de cores, uma rica manta de retalhos com raízes milenares a querer pouco saber de enfeites. O chão cobre-se de azeitonas que caem como berlindes gordos e escuros das oliveiras; enche-se de ribeiros improvisados nas valas ainda pouco profundas dos caminhos antes ressequidos pelo braseiro estival, solos de sulcos marcados, rasgos cruzando uma superfície seca e rugosa como o rosto das velhas.
Não adormece a Terra no Outono, prepara-se antes para viver, agora que há fartura e que a água vem benzer os de cá e o que os rodeia. Oferece-lhes farfalhudas couves, opulentas laranjas, bagulhentas romãs, boletas saltando à frente dos pés na beira dos caminhos.
A Terra guardou-se, noiva ansiosa mas discreta, para os primeiros ares de frio a varrer as casas brancas baixinhas, de soleiras lavadas pelas gotas da cacimba. De Verão era caseira esta Terra. Escondia-se virginal, dentro das grossas paredes caiadas sem janelas que não fossem postigos para enxotar o calor. Deixou a timidez nos meses quentes e veio fazer-se farta, colorida, mais viva que nunca no Outono que lhe devolveu a vida. Que a emprenha de frutos, água, sonhos a renovarem-se e uma esperança ténue mas firme de que com o virar do ano, a vida muda, a jorna encurta, a Terra se renova.
Vê-se já bem perto, na fímbria delicada dos dias pequenos, o fumo que sai da chaminé de todas as casas alvas, cheiro de morcela ou chouriça a assar nas brasas, a chocolateira a fazer-lhe companhia dando sinal de vida no borbulhar do café negro cujo odor já se vai espalhando e confundindo com o da família.
Não conhece a moda das cidades esta Terra. Está bem assim. Chegam-lhe novas de céus distantes, dizem que há mar no Norte e aviões que voam 24 horas e não vêem o mundo acabar. A Terra aconchega-se.
Bateu bolo, amassou pão, casou as raparigas. Fechou-lhes delicadamente a porta e deixou-as entrar em casa de braço dado com aquele homem novo que é um par de braços que a amparem até ao fim do ciclo. Benzeu-lhes a porta. Sentou-se ao lume e deixou que o Outono viesse.
Passo a passo, uma brisa de cada vez, ao longe os últimos pássaros ecoam em despedidas. Preparou-se tudo e a Terra está como a deixaram e nunca mais a mesma. É este o consolo dos que nela vivem: o sentimento de que o mundo gira e encaixa cabendo todo nas ruas da Terra.
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