A Antónia queria muito aos seus meninos. Criava-os a mel e sopas de leite. Fazia rendinhas para rematar as golas e as bainhas dos vestidos das meninas, passava goma nas camisas que os meninos haveriam de usar na missa ao domingo.
Antes de dormirem, preparava água morna para lhes lavar os pézinhos delicados, os dedos gordinhos, punha-lhes pó de talco nas preguinhas do pescoço e das pernas. Cheirava-os, penteava-lhes os cabelos. Cem escovadelas pelo menos em cada uma das meninas. Uma trança grande a pender das costas de cada uma delas.
Os lençóis estavam brancos, imaculados, corados ao sol da Terra. O da manhã apenas porque o do meio dia fazia-lhes manchas amarelas e isso seria impensável.
Engraxava os botins, encerava-lhes os atacadores para que fizessem um laço direito. Costurava, cerzia, calções, vestidos, camisas, lencinhos com as iniciais de cada um. Entre as dobras da roupa nas gavetas, colocava raminhos de alfazema nas das meninas e de rosmaninho no dos meninos. Não os deixava ir para a escola sem verificar bem o comprimento e a higiene das unhas , o asseio da roupa, o brilho dos sapatos: era o que mais faltaria, os seus meninos em desalinho! O falatório que não seria!
Subia cedo antes do romper do dia às courelas do monte para ir buscar o leite mais fresco ou um queijinho atabafado, envolto em mil cuidados, para o pequeno almoço.
Se lhes subia alguma febre, já não dormia a Antónia. Noites a fio de olhos esbugalhados pousados no sono ardente do seu menino ou na testa em chamas da sua menina.
Ninguém na Terra os via pela hora da calma. Queriam-se branquinhos e sem mancha os seus meninos. Segurava-os pela mão até que aprendessem os primeiros passinhos, carregava-os ao colo para que não os incomodassem as terras barrentas, os cascalhinhos da estrada, as caganitas de ovelha.
Benzia-os à lua, mandava rezar novenas quando os via aflitos.
Fez-se velha a Antónia, mais velha que a Terra toda, que o círculo longínquo das planícies e dos olivais ao longe, na espera constante pelo regresso de alguns dos seus meninos.
Foram indo para a cidade uns, para o estrangeiro outros e a Antónia ficou, segurando as paredes do monte, mandando caiar, podar, amanhar tudo todos os anos não fosse algum dos meninos entrar-lhe pela porta dentro de surpresa, matar-lhe as saudades que a matavam.
Não a puderam salvar os seus próprios filhos. Eram para lá de meia dúzia, criados a fome e a ausência pela avó, uma comadre ou uma vizinha. Batiam-se nus e descalços pelas côdeas dos bolos na Travessa do Forno, traseiras da padaria. Morreram dois de barriga inchada de ar ou de maleita a que não procurou dar nome.
Escola se a conheceram alguns foi pela mão da Mestra que os atraía com a promessa de um naco de pão e uma malgazinha de leite.
Também eles se foram, um após o outro: casaram, fizeram outros meninos que juraram, iriam ter mais sorte do que eles, filhos esquecidos de uma mãe que não usava o título entre a sua gente.
No dia em que a encontrou o Zé da Inácia que por sua ordem, ia ao monte de duas em duas semanas para cuidar da horta e dos jardins, mandou que se avisasse uma filha, a mais novinha que por ali ficou por se ter casado com o viúvo dono da mercearia (promessa de sustento?).
Logo a notícia se espalhou como um rastilho pelo sangue dos da Antónia. Vieram sem rendas, golas engomadas ou sapatos engraxados. Vinham sem saber bem a que vinham ou quem iam encontrar naquela caixa de madeira comprida que colocaram no centro da casa que lhes diziam ser a sua. Mas não conhece casa quem não encontrou o calor no colo da sua mãe.
Dos seus meninos bonitos, todos engenheiros, doutores, bem casadas, gente graúda da Terra mas há tanto fora dela, nem o vento ouviu falar. "Finou-se a criada, Deus a tenha!" disse a matrona, lá longe numa cadeira perto do mar.
Os filhos esses, choraram de rijo, fizeram exéquias, assumiram um luto negro fechado como se deve a um parente.
Pois na Terra o sangue é como um ribeiro no seu caminho: salta obstáculos e desvia-se muitas vezes, mas acaba sempre por juntar-se ao leito.
Antes de dormirem, preparava água morna para lhes lavar os pézinhos delicados, os dedos gordinhos, punha-lhes pó de talco nas preguinhas do pescoço e das pernas. Cheirava-os, penteava-lhes os cabelos. Cem escovadelas pelo menos em cada uma das meninas. Uma trança grande a pender das costas de cada uma delas.
Os lençóis estavam brancos, imaculados, corados ao sol da Terra. O da manhã apenas porque o do meio dia fazia-lhes manchas amarelas e isso seria impensável.
Engraxava os botins, encerava-lhes os atacadores para que fizessem um laço direito. Costurava, cerzia, calções, vestidos, camisas, lencinhos com as iniciais de cada um. Entre as dobras da roupa nas gavetas, colocava raminhos de alfazema nas das meninas e de rosmaninho no dos meninos. Não os deixava ir para a escola sem verificar bem o comprimento e a higiene das unhas , o asseio da roupa, o brilho dos sapatos: era o que mais faltaria, os seus meninos em desalinho! O falatório que não seria!
Subia cedo antes do romper do dia às courelas do monte para ir buscar o leite mais fresco ou um queijinho atabafado, envolto em mil cuidados, para o pequeno almoço.
Se lhes subia alguma febre, já não dormia a Antónia. Noites a fio de olhos esbugalhados pousados no sono ardente do seu menino ou na testa em chamas da sua menina.
Ninguém na Terra os via pela hora da calma. Queriam-se branquinhos e sem mancha os seus meninos. Segurava-os pela mão até que aprendessem os primeiros passinhos, carregava-os ao colo para que não os incomodassem as terras barrentas, os cascalhinhos da estrada, as caganitas de ovelha.
Benzia-os à lua, mandava rezar novenas quando os via aflitos.
Fez-se velha a Antónia, mais velha que a Terra toda, que o círculo longínquo das planícies e dos olivais ao longe, na espera constante pelo regresso de alguns dos seus meninos.
Foram indo para a cidade uns, para o estrangeiro outros e a Antónia ficou, segurando as paredes do monte, mandando caiar, podar, amanhar tudo todos os anos não fosse algum dos meninos entrar-lhe pela porta dentro de surpresa, matar-lhe as saudades que a matavam.
Não a puderam salvar os seus próprios filhos. Eram para lá de meia dúzia, criados a fome e a ausência pela avó, uma comadre ou uma vizinha. Batiam-se nus e descalços pelas côdeas dos bolos na Travessa do Forno, traseiras da padaria. Morreram dois de barriga inchada de ar ou de maleita a que não procurou dar nome.
Escola se a conheceram alguns foi pela mão da Mestra que os atraía com a promessa de um naco de pão e uma malgazinha de leite.
Também eles se foram, um após o outro: casaram, fizeram outros meninos que juraram, iriam ter mais sorte do que eles, filhos esquecidos de uma mãe que não usava o título entre a sua gente.
No dia em que a encontrou o Zé da Inácia que por sua ordem, ia ao monte de duas em duas semanas para cuidar da horta e dos jardins, mandou que se avisasse uma filha, a mais novinha que por ali ficou por se ter casado com o viúvo dono da mercearia (promessa de sustento?).
Logo a notícia se espalhou como um rastilho pelo sangue dos da Antónia. Vieram sem rendas, golas engomadas ou sapatos engraxados. Vinham sem saber bem a que vinham ou quem iam encontrar naquela caixa de madeira comprida que colocaram no centro da casa que lhes diziam ser a sua. Mas não conhece casa quem não encontrou o calor no colo da sua mãe.
Dos seus meninos bonitos, todos engenheiros, doutores, bem casadas, gente graúda da Terra mas há tanto fora dela, nem o vento ouviu falar. "Finou-se a criada, Deus a tenha!" disse a matrona, lá longe numa cadeira perto do mar.
Os filhos esses, choraram de rijo, fizeram exéquias, assumiram um luto negro fechado como se deve a um parente.
Pois na Terra o sangue é como um ribeiro no seu caminho: salta obstáculos e desvia-se muitas vezes, mas acaba sempre por juntar-se ao leito.
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