sábado, 13 de junho de 2015

Mães e filhas num fio de Terra

  "What if I fall?
   Oh, but my darling, what if you fly?"

                                Erin Hanson

  As mães e as filhas estão cosidas umas às outras, num lugar nunca visto, muito imaginado mas frequentemente sentido entre batidas do coração. E definitivamente real, absolutamente indicável, passível de ser provado e apontado até por duas manitas de uma filha em crescimento ou em sorvos profundos do corpo da sua mãe.

  Há uma cola universal que nasce com a mãe, não quando ela nasce, mas quando nasce como mãe, que faz a sua função de unir, unificar, um e outro coração: uma mãe e a sua filha. A esta ponte que não chega a sê-lo pois não há duas margens mas apenas um rio grande, furioso de emoções, acrescentam-se as horas em que duas foram sempre uma, os dias a sucederem-se aos dias numa infinita partilha, numa fome nunca acalmada de precisar de se ser só uma quando os corpos são dois.

  A Terra cresce com as filhas e molda as mães. Sabe quem elas são muito antes de elas o serem. Estende-lhes o chão debaixo dos pés para que ande uma e logo a outra, sob o sol quente, num caminho que e só delas. A mãe e a filha parem-se uma à outra em choros e em dor: o choro de se querer tanto esta vida nova para sempre a duas, a dor de saber já que terão de viver tantas outras dores sem que a mão amada possa lá estar constantemente a amparar, a mimar, a cuidar.

  Dão-se os primeiros passos, pouco firmes é certo, neste universo novo e o mundo desalavanca as suas estruturas para voltar a girar uma e outra vez. Os dedos perfumados de sabão azul, de terra fresca, de coentros e poejos que são os da mãe, pousam suavemente sobre os das filhas para paulatinamente, a irem ensinando o jeito certo para amassar um pão, para alimentar as galinhas, para cerzir umas calças, para temperar um caldo ou varrer as lajes da cozinha.

  Mais ainda, a menina pequena, mulher em construção, aprende sem palavras, a tomar conta do corpo, a sarar as suas feridas, a chorar as suas tristezas, a benzer os de casa. Meneia-se ao som de um acordeão nos primeiros bailes tal como viu a mãe fazer às escondidas num dos quartos, enquanto achou que ninguém a viu porque bailes não são já para ela, que os gozem as raparigas solteiras.

  Crescem as meninas e às suas mães crescem os cuidados. Saem-lhes do colo ainda de cueiros e fraldas de pano e voltam em vestidos de noiva, num qualquer Sábado ou Domingo escondido numa dobra do tempo, inacessível a qualquer mãe.

  As mães choram as mágoas das filhas porque são as suas, duas vezes. Sai-lhes do peito o coração logo que as veem dar os primeiros tropeços nas ruas de terra batida, para depois nunca mais o poder voltar a guardar, porque tudo é um cuidado, uma dor para a mãe impotente que só pode deixar que a menina nasça mulher.

  Há no entanto, latente entre elas não importa a distância na Terra ou fora dela, um fio que não se quebra. Permanece na filha uma sensação de que mais tarde ou mais cedo se transformará na sua mãe, que serão uma finalmente, no dia em que ela souber o que é a maternidade e começar tudo de novo.

  Por isso um colo é um espaço infinito e não cessam os abraços em redor do pescoço. Mudam-se os motivos, as idades, os dias passam e com eles os céus roxos e laranjas das planícies, mas uma mãe quando nasce é para sempre. Uma filha é bem mais do que uma pessoa a quem pariu: é a possibilidade sim, de ser-se de novo, uma vez após outra, de cumprir-se e concretizar-se em todas as mulheres da Terra.


Pierre Gonnord@ in http://charivari.pt/2015/03/12/a-nobreza-da-comunidade-cigana-do-alentejo-em-serie-fotografica/






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